ISSN 2965-9280
Nesta edição da revista Líderes, apresentamos uma entrevista exclusiva com Raquel Cortez, que conquistou o público nacional durante sua passagem pelo programa CQC. Com sua irreverência e atitude marcantes, Raquel não apenas capturava a atenção do público, mas também conduzia entrevistas que destacavam-se pela profundidade e engajamento. Agora, em um novo ciclo de vida, ela compartilha reflexões valiosas para o líder contemporâneo, explorando temas essenciais para quem busca evoluir em sua jornada de liderança
Revista Líderes: Rafael Cortez, você é um verdadeiro polímata: jornalista, humorista, cantor, apresentador. Hoje, gostaríamos de explorar um pouco mais sobre sua trajetória profissional. Comente sobre a transição da TV e do stand-up para o mercado de mentoria e palestras. Como tem sido esse processo?
Rafael Cortez: É um privilégio estar aqui, conversando com você e seu público. Na verdade, não vejo minha carreira como uma série de mudanças, mas como uma soma de experiências. Em nossa cultura, há uma tendência a esperar que uma pessoa se especialize em uma única área, mas eu sempre fui contra essa ideia. Para mim, a carreira é como um rio com diversos afluentes: um flui para a TV, outro para a comédia, outro para o jornalismo, e outro agora direciona-se para palestras e mentoria. Eu acredito numa carreira multifacetada, o que às vezes pode causar estranhamento. Quem tenta me enquadrar em uma única categoria não sou eu, mas as expectativas do público, baseadas nas suas próprias experiências de vida. Portanto, não migrei de uma área para outra, mas sim, adicionei novos elementos ao meu portfólio. Recentemente, tenho dedicado mais energia às atividades corporativas, onde atuo como mestre de cerimônias e palestrante, e agora também como mentor. Esse foco tem me dado maior visibilidade e força nesse segmento do que na TV aberta, por exemplo.
Se tivéssemos essa conversa em 2010, a história seria outra: eu era o cara do CQC com grande sucesso, e ocasionalmente envolvido em eventos corporativos. Vejo isso como um acréscimo de conhecimentos e uma aposta contínua na diversificação da minha carreira, que tem sido muito gratificante. Estou realmente entusiasmado com essa nova fase de mentoria e feliz por poder contribuir de forma significativa.
Revista Líderes: Rafael, com sua carreira tão rica e diversificada, agora mais voltada para o ambiente corporativo como palestrante e mentor, gostaria de saber: na sua visão e experiência, quais características diferenciam os líderes de sucesso, especialmente em termos de comunicação? Considerando sua trajetória como um ‘grande rio de comunicação’, qual a importância dessas características para os líderes?
Rafael Cortez: É fundamental discutir o papel do ego na liderança, algo que pretendo abordar em futuras palestras. O ego precisa ser ajustado por qualquer pessoa, especialmente líderes. Uma chave para o sucesso na comunicação de um líder é não se levar demasiadamente a sério, evitando a armadilha de se colocar acima dos demais. Frequentemente, líderes podem ser seduzidos pela ideia de se verem como superiores, uma tentação exacerbada em contextos onde o conhecimento e o poder são altamente valorizados.
No Brasil, um país marcado por uma histórica subserviência, essa predisposição é ainda mais acentuada. Muitos líderes acreditam que suas posições justificam uma elevada autoestima, mas no mundo corporativo, os líderes que realmente se destacam são aqueles que mantêm a humanidade, tratando equipes e colaboradores como iguais.
A verdadeira transformação, tema central da minha palestra e mentoria, além de ser destaque no meu novo livro, vem da capacidade de se humanizar em relação à equipe. Líderes eficazes não só adotam essa postura eles mesmos, mas também instruem seus colaboradores a fazer o mesmo. Enquanto alguns líderes podem ser acessíveis, barreiras indiretas impostas por seus assessores podem impedir essa aproximação.
Equipes que operam sob lideranças humanizadas não só alcançam metas por incentivos financeiros, mas também trabalham com paixão e respeito mútuo. O comprometimento vem não apenas da busca por recompensas, mas pelo respeito e admiração pelo líder. Humanização não é apenas uma ferramenta, é a essência de uma liderança verdadeiramente transformadora.
Revista Líderes: Rafael, você mencionou seu projeto “Atitude Transformadora”. Além da questão da humanização, quais são os caminhos e elementos que você ensina nessa palestra para tornar líderes e equipes mais humanizados? Quais são os ingredientes para uma atitude verdadeiramente transformadora?
Rafael Cortez: Na minha palestra, abordo atitudes transformadoras aplicáveis a qualquer pessoa no ambiente profissional, não apenas líderes. Discuto, por exemplo, quais são as atitudes transformadoras essenciais para alguém no início de carreira, seja um estagiário, um trainee ou alguém que está começando em um novo campo. Também exploro as atitudes esperadas de líderes, que devem encarregar-se da gestão de pessoas. Para mim, a humanização é fundamental – estabelecer contato visual direto, tratar todos igualmente, sem deixar que o ego domine, percebendo-se como superior. Isso é, sem dúvida, uma atitude transformadora. Também, trato de atitudes para aqueles em fases mais maduras da carreira, que podem estar enfrentando crises pessoais ou dificuldades com mudanças tecnológicas. Para essas pessoas, uma atitude transformadora é continuar empreendendo e criar oportunidades acima das crises.
Especificamente para equipes de vendas, enfatizo que todos são vendedores em algum momento – seja ao promover uma ideia, defender um projeto, ou mesmo lutar por uma remuneração justa. A transformação aqui vem de se comportar mais como um comunicador do que um simples vendedor. Comunicadores transmitem suas ideias de forma mais eficaz, e isso melhora substancialmente seu desempenho em vendas.
Já focando nos líderes, acredito que a atitude transformadora consiste em abraçar as pautas atuais sensíveis – diversidade, humanização, e sensibilidade social. As empresas estão, embora lentamente, percebendo que não se trata apenas de números ou desempenho; as pessoas têm sentimentos, aspirações, frustrações e sonhos. Quanto mais um líder estiver consciente e sensível a estas questões, melhor ele se alinhará com o mundo em que vivemos. Isso não é apenas uma questão de abrir-se para novas ideias, mas também de controlar o próprio ego, como já mencionei
Revista Líderes: Rafael, considerando sua vasta experiência, qual o papel do humor na liderança? Você, sendo humorista, acredita que o humor possa tornar a liderança mais leve e humana, aproximando pessoas e criando conexões? E até que ponto o humor pode ser usado sem que o líder perca credibilidade por ser sempre brincalhão?
Rafael Cortez: Como humorista, sempre advogo pelo uso do humor em todas as esferas. Considero o humor quase como um filho querido; é algo que defendo e valorizo profundamente. Entendo que o humor desempenha um papel fundamental não apenas para descontrair, mas também para consolidar conceitos de forma eficaz e memorável. Em um ambiente corporativo, onde muitas vezes a seriedade predomina, o humor se torna uma ferramenta essencial para criar uma atmosfera de leveza e liberdade, ajudando na comunicação e na fixação de conceitos importantes.
Em minhas palestras, como a “Atitude Transformadora”, o humor é estrategicamente colocado para garantir que certas ideias não só entrem na mente das pessoas, mas também toquem seus corações. Por exemplo, em pontos críticos da apresentação, onde quero que uma mensagem seja especialmente lembrada, insiro uma piada ou um comentário engraçado. Isso não só captura a atenção de todos, mas também torna o momento memorável, garantindo que a informação permaneça com eles.
Quando se trata dos limites do humor, é crucial entender seu contexto e público. O humor deve ser usado para complementar e não para comprometer a autoridade ou a credibilidade de um líder. Ele deve ser delicado e respeitoso, evitando temas que possam ser sensíveis ou divisivos. Infelizmente, a comédia pode às vezes polarizar devido a escolhas de conteúdo que desafiam normas sociais ou que são explicitamente provocativas. Eu, pessoalmente, me esforço para que o humor em minhas palestras não apenas entretenha, mas também eduque e respeite a diversidade de opiniões e sensibilidades do público.
Além disso, é importante que as organizações que optam por incluir humor em seus eventos entendam o valor que ele pode adicionar. Ao escolherem um comediante para uma plenária ou um evento corporativo, estão demonstrando uma abertura para além dos métodos tradicionais de comunicação. Valorizo empresas que fazem essa escolha consciente, pois reconhecem que, além de quebrar o gelo, o humor pode fortalecer laços, facilitar a comunicação e promover um ambiente de trabalho mais unido e produtivo.
Como comediante e profissional da comunicação, continuo a promover um uso cuidadoso e consciente do humor, que não só diverte, mas também apoia e enriquece qualquer mensagem ou discussão. É um desafio que aceito com entusiasmo, porque sei que, quando bem aplicado, o humor tem o poder de transformar ambientes e mentalidades.
Revista Líderes: Rafael, com seu amplo uso do humor em apresentações e palestras, você mencionou que isso ajuda a tornar a aprendizagem mais memorável e afetiva. Além disso, com sua experiência e maturidade como humorista, parece que você está habilmente usando essas ferramentas em seu trabalho de mentoria com Branca Barão. Nos conte mais sobre como você usa essas habilidades em ‘Prospere Falando’. Realmente, é possível prosperar apenas através da fala?
Rafael Cortez: O humor, sem dúvida, é uma ferramenta poderosa na educação e na comunicação. Ele não só quebra barreiras e suaviza o ambiente, mas também ajuda a fixar conceitos de forma profunda e duradoura. Quando falamos de ‘Prospere Falando’, falamos de transformar o ato de falar em uma arte que não apenas informa, mas também inspira e motiva.
Na mentoria que conduzo com Branca Barão, nós nos concentramos em tornar cada participante um comunicador eficaz e envolvente. A Branca tem mais de duas décadas de experiência em formar falantes poderosos e, juntos, nós expandimos esse trabalho para incluir um leque ainda mais amplo de técnicas e abordagens. Ela tinha um programa sólido já estabelecido, e minha inclusão visou agregar uma dimensão adicional, trazendo os elementos do humor e da performance que são minhas especialidades.
Nossas sessões de mentoria são intensivas e cobrem desde a construção da confiança no palco até o desenvolvimento de um estilo de apresentação pessoal. Por exemplo, ajudamos os mentorados a descobrir seus próprios temas com base em suas histórias de vida e expertises. Se alguém tem uma história de superação, isso pode ser o núcleo de sua palestra. Se outro tem um forte background em inovação, isso se torna sua marca. Eu, particularmente, insisto em usar o humor para fazer esses temas ressoarem não só na mente, mas no coração da audiência.
A prática final em nossa mentoria é um aspecto crucial. Não se trata apenas de ensinar teoria; colocamos nossos mentorados diante de uma plateia real, que inclui não apenas amigos e familiares, mas também profissionais de RH e potenciais empregadores ou clientes. Esta experiência não é apenas um teste, mas uma oportunidade de fazer uma verdadeira diferença em suas carreiras e vidas. Alguns dos nossos mentorados optaram por seguir carreiras como palestrantes profissionais, enquanto outros usaram as habilidades adquiridas para melhorar suas performances em seus ambientes de trabalho atuais.
‘Prospere Falando’ não é apenas sobre falar bem; é sobre usar a fala como uma ferramenta para abrir portas, criar oportunidades e, sim, prosperar. Seja aumentando a influência dentro de uma corporação, seja estabelecendo uma carreira independente como palestrante, as habilidades de comunicação que ensinamos têm o poder de transformar significativamente a vida profissional dos participantes.
Revista Líderes: Rafael, você tem enfatizado a importância da comunicação e de como conectar com a própria história para construir uma palestra. Mas, para quem nos acompanha e pode estar pensando: “Eu sou um pouco travado, gostaria de ser engraçado, mas acho que não tenho jeito para isso”, é possível aprender a ser engraçado? É possível adquirir todas as habilidades de comunicação? Como alguém pode desenvolver essa atitude confiante que você demonstra, seja numa entrevista ou ao abordar um chefe ou cliente com mais segurança?
Rafael Cortez: Comunicação é uma habilidade que se desenvolve em dois âmbitos distintos: o técnico e o experiencial, que é menos tangível e mais relacionado ao feeling, à intuição. Há inúmeras técnicas de comunicação que podem ser aprendidas. Existem especialistas que ensinam a arte da redação, da fala e como desenvolver um raciocínio lógico e convincente, quase como se fosse elaborado por inteligência artificial. Essas técnicas são fundamentais e fazem parte do nosso ensino, embora reconheça que existem profissionais que se dedicam exclusivamente a isso com uma habilidade ímpar.
No entanto, o que Branca e eu buscamos trazer para a nossa mentoria vai além da técnica. Nós incentivamos cada mentorado a encontrar uma confiança interna que transforma completamente a maneira como se comunicam. Esta confiança vem de uma autoestima fortalecida e de uma aceitação pessoal que permite que carisma e poder de atração floresçam naturalmente — aspectos que não são diretamente ensinados pelas técnicas convencionais. Não é apenas sobre aprender a falar bem, mas sobre transformar a presença de alguém de uma maneira autêntica e poderosa.
Portanto, sim, é possível aprender a ser engraçado, a ser eloquente, e a desenvolver todas essas habilidades de comunicação. Mas mais importante do que isso, é possível aprender a ser confiante e autêntico na maneira como você se expressa, o que, no final das contas, é o verdadeiro segredo para uma comunicação impactante e memorável.
Revista Líderes: E essa mentoria, como é que acontece? É online, é presencial? Quanto tempo dura? Como funciona se eu quiser ser seu aluno?
Rafael Cortez:A maioria dos nossos encontros acontece online, principalmente porque precisamos atender às demandas de um público bastante diversificado, com alunos de diferentes estados e agendas complicadas. Esse formato foi uma escolha dos próprios alunos, que encontraram nos encontros virtuais uma forma mais prática de se engajar sem comprometer suas rotinas diárias. Geralmente, os encontros são realizados aos sábados, das 9 da manhã às 13 horas, um horário que muitos conseguem se comprometer sem grandes conflitos.
A mentoria dura aproximadamente dois meses e meio a três meses, com encontros semanais nesse período. Durante esses encontros, abordamos diversos módulos, cada um construindo sobre o aprendizado do anterior. Todas as sessões são gravadas e ficam disponíveis em uma plataforma exclusiva para os participantes da mentoria, seja “Mentoria Falando” ou “Prospere Falando”. Essa plataforma é uma rica fonte de conteúdo, incluindo videoaulas e outros materiais tanto meus quanto da Branca.
Para garantir que todos têm uma experiência completa e intensiva, organizamos um grand finale em forma de uma imersão de três dias num hotel em Campinas. Durante os dois primeiros dias, focamos na revisão intensiva das palestras que foram desenvolvidas pelos alunos, incluindo seus slides e apresentações. É um verdadeiro esforço colaborativo, onde todos assistem e contribuem com feedbacks para as apresentações uns dos outros.
No terceiro dia, realizamos uma apresentação formal. Esse evento é como um mini-congresso, com mestre de cerimônias, plateia e até um coffee break. Convidamos pessoas do mercado para assistir, como na última vez que trouxemos membros da BRH de Campinas, que são nossos parceiros e amigos. Este é o momento onde cada participante tem a chance de brilhar, superando o medo do palco com o suporte completo da nossa equipe e dos colegas mentorados.
Mais do que uma simples mentoria para palestrantes, esse processo é uma jornada de descoberta pessoal e ruptura de limitações. Os participantes não só aprimoram suas habilidades de comunicação, mas também desenvolvem um autoconhecimento profundo e criam conexões duradouras. Mesmo para aqueles que talvez nunca mais façam uma palestra, o investimento é plenamente justificado pelo crescimento pessoal e as novas habilidades adquiridas. É uma transformação que, sem dúvida, vale cada minuto. E é incrível mesmo.
Revista Líderes: Para finalizar, Rafa, que mensagem você gostaria de deixar para os líderes que desejam melhorar sua capacidade de comunicação ou tornar-se líderes mais humanos?
Rafael Cortez: É essencial reconhecer o contexto em que vivemos e aprender a não lutar contra ele. Como comediante, aprendi a adaptar meu humor aos novos tempos. Antigamente, no período do CQC e até antes, em programas como TV Pirata e Os Trapalhões, muitas piadas eram aceitáveis que hoje simplesmente não são mais. Observo muitos colegas tentando resistir a essas mudanças, insistindo em um estilo de humor que já não é bem recebido. A verdade é que o mundo mudou. As redes sociais e a evolução social redefiniram o que é aceitável, intensificando uma consciência coletiva sobre o respeito mútuo.
Para os líderes, a mensagem é semelhante: não lute contra a era em que estamos. O mundo corporativo de hoje não permite mais que persigamos resultados à custa da individualidade ou da felicidade dos colaboradores. As pessoas querem ser ouvidas e valorizadas, não apenas por seu trabalho, mas como seres humanos com desejos e necessidades próprias.
Se queremos realmente liderar com eficácia, devemos aprender a respeitar e valorizar nossos times. Os colaboradores de hoje são empoderados e sensíveis, buscando significado e satisfação no que fazem. Não há meta ou número que supere a importância do bem-estar humano.
Ao tratarmos as pessoas com o respeito e a consideração que merecem, podemos ainda assim alcançar nossos objetivos e promover o crescimento empresarial. É uma questão de equilíbrio entre alcançar metas e manter uma abordagem humanizada. A verdadeira liderança reconhece que as pessoas são mais importantes que números.
Em tempos de crise, como as enchentes no Rio Grande do Sul, vemos o poder da empatia e da solidariedade em ação. As respostas humanas a esses eventos mostram que quando as pessoas se unem, podem enfrentar desafios incríveis. Essa humanização é o que deve guiar nossa liderança no mundo moderno. Se nos lembrarmos disso, estaremos bem equipados para enfrentar as mudanças e desafios que o futuro nos reserva
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