ISSN 2965-9280
Governança Corporativa é definida pelo IBGC como “o sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas e que intermedia suas instâncias deliberativa, consultiva e fiscalizatória.” Um sistema efetivo de Governança deve se voltar, ainda, aos impactos de determinado conjunto normativo na cultura corporativa (a chamada “Governança Finalística”), em oposição ao cumprimento puramente formal das normas postas (a denominada “Governança Procedimental”). É o que defende Sandra Guerra, uma das principais estudiosas do tema:
“É necessária uma abordagem que se afaste do formalismo e que gere valor interno e externo à Companhia. A Governança do ‘parecer ser’ não se preocupa com a consistência das práticas efetivamente adotadas e sim com a imagem projetada para fora. Isso ocorre quando a motivação se limita ao cumprimento de regras e as normas não são vistas como instrumentos de geração de valor. Essa abordagem superficial (e oportunista) é, em regra, orientada por modelos prontos que não foram profundamente discutidos internamente.”
No movimento da Governança Procedimental para a Governança Finalística é preciso abrir mão do formalismo, dos modelos prontos e da percepção de Governança como um “fardo” para a Companhia. Para que a Governança possa produzir, de fato, valor real no cenário corporativo, suas práticas devem ser testadas no âmago da realidade de cada empresa, bem como incorporadas às dinâmicas internas e aos processos decisórios de seus órgãos colegiados.
Dizer que as normas de Governança devam se amoldar à realidade das Companhias não significa, contudo, defender que as suas práticas sejam “convenientes” aos Administradores ou convergentes aos interesses imediatos da Gestão, o que representaria uma instrumentalização de seus preceitos para o atingimento de objetivos de curto prazo. Em outras palavras, a adoção de um modelo de Governança Finalística será, em um primeiro momento, trabalhosa, desconfortável e, de certa forma, “incômoda” para a Gestão, que deverá observar procedimentos que assegurem a prestação de contas.
Uma liderança consciente deverá, ainda, instaurar mecanismos de controle recíprocos, que coíbam o exercício abusivo de um poder sobre outro, caso contrário, ter-se-á, na Companhia, uma dinâmica disfuncional e a perda do valor construído até então. É o que se verifica em um Conselho de Administração que se limite, por exemplo, a atuar como uma espécie de “caixa de ressonância” da Gestão – e não como um agente fiscalizador real. É nesse contexto que o sistema de “freios e contrapesos”, próprio da Governança Finalística, irá resguardar o “equilíbrio dinâmico” entre os poderes no cenário corporativo.
Nesse processo de “maturação empresarial”, as lideranças devem atuar lado a lado com o Governance Officer, um profissional-chave que, ao atuar de maneira pragmática, imparcial e apolítica na promoção de práticas de Governança, possibilita o atendimento do interesse coletivo da Companhia – em regra, consolidado em objetivos de médio e longo prazo.
Escândalos corporativos recentes parecem indicar, contudo, que a mera adoção de estruturas empresariais mais complexas não seria suficiente, por si só, para assegurar uma Governança Finalística, como atestam o rombo financeiro das Lojas Americanas e o colapso do Silicon Valley Bank. Com efeito, as Companhias contavam com estruturas corporativas sólidas e o apoio de diversos comitês de assessoramento, eram auditadas periodicamente por empresas independentes, sujeitavam-se a órgãos externos de fiscalização e integravam mercados intensamente regulamentados. Ou seja, preenchiam os requisitos externos de Governança, o que deveria coibir (ao menos em tese) a ocorrência de episódios como os verificados.
Nenhum conjunto normativo tem o condão de substituir o fator humano em dado ambiente – a saber, o comportamento adotado e replicado pelas lideranças e reforçado pelos agentes de Governança nas diversas instâncias corporativas. Nesse sentido, o principal elemento para a promoção de uma Governança Finalística parecer ser, de fato, a atuação de profissionais que gozem de autonomia e que possam defender práticas efetivas de Governança.
Percebe-se, dessa forma, que a adoção de mecanismos e práticas em determinada Companhia deve se fundamentar, necessariamente, em um engajamento consistente com a Governança, devendo contar, ainda, com agentes comprometidos com a sua promoção – no que se incluem os seus líderes. Vale dizer: o apoio das lideranças aos trabalhos dos agentes de Governança (dentre os quais, o Governance Officer) tem um papel estratégico na promoção da Governança Finalística no ambiente corporativo.
AUTOR
Especialista em Governança Corporativa e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora científica e advogada premiada por sua atuação corporativa, atua como Governance Officer, implantando e defendendo boas práticas de Governança.
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